domingo, 24 de junho de 2012

Parasitismo



Nossos sonhos são condicionados. A felicidade só existe na medida definida pela sociedade, pelo mundo corporativo. Uma casa espaçosa, carro, viagens à Europa, ao Cambodja (sem se saber nada sobre o Cambodja), dois filhos ( um casal, gémeos de preferência), roupa de marca, bolsa Louis Vuitton.

Mas se gostarmos de filosofia, sociologia ou história africana? Neste caso temos que nos contentar com a periferia da cidade, que é marginal e excluída da nata da cidade. Quem quiser oferecer boas condições aos filhos? Que eles possam aprender inglês, francês, que tenham acesso ao mundo das oportunidades?! Neste caso, deve cursar gestão, direito ambiental (está em voga ser green) ou engenharia química. Ter boas relações com pessoas bem relacionadas é um diferencial. Saber fechar os olhos e baixar a cabeça são requisitos eliminatórios.

Conseguir resistir à pressão da rotina corporativa é imperativo, aguentar conversas vazias, comentários maldosos e medir nossas palavras são fundamentais. Segunda à sexta, 8 horas por dia sem pensar no mundo, na fome no Sudão do sul, nas crianças exploradas na Índia, na poluição das fábricas, na ocupação do Tibete, na guerra no Iraque... são danos colaterais.

Chegar à casa exausta e só ter 5 minutos para olhar nossos filhos nos olhos. O amor com o parceiro que nos foi atribuído é maquinal, só sexta-feira conseguimos trazer alguma novidade que fuja da rotina sexual para dentro das quatro paredes, único lugar permitido para se ter sexo.

Nosso emburrecimento é notório, o embaraço nas conversas com os amigos do chefe do marido é doloroso. Nossa vida nos escapa como água por entre os dedos. O envelhecimento da alma é acelerado, a falta de paciência com aqueles que amamos machuca. O parceiro foi o conveniente e agora se colhe os frutos desta decisão: solidão a dois, abandono, fim da sensualidade, do brilho nos olhos.

Aderimos à ditadura da beleza a fim de, quem sabe, reavermos alguma parte da nossa juventude, aquele momento cruel da vida em que temos a "ilusória?" oportunidade de traçar o nosso caminho. Coragem para rebentar as algemas? Mas o que fazer com essa liberdade? E os filhos? E as relações familiares? As contas para pagar? Só resta nos conformarmos. Pensamos novamente nos filhos, desta vez por outro ângulo, e passamos a depositar nossa vida na deles, viver através deles, neles. Nos tornamos parasitas.


Luísa e sua emancipação intelectual




Extremos, porque os extremos? Extremistas, extremismos? Luisa, menina bem educada, católica apostólica romana não praticante, mas ia à missa aos domingos duas vezes por mês. Boa aluna, tinha aprendido a frigidez necessária para uma fêmea humana ser "reconhecida" como mulher digna.

Mas Luisa tinha algo mais, uma curiosidade ambiciosa. Perspicácia para perceber que algo não estava bem, que a desigualdade é um desequilíbrio. Conheceu Beauvoir e soube que era um caminho sem volta, e também ela já não queria voltar.

Percebeu o egoísmo ao qual as mulheres eram subjugadas para mostrar o seu valor. Era necessário desprezar o homem que ela queria, era preciso levá-lo a loucura da espera, era preciso ser diplomada em sadismo para ser vista como uma desejada fêmea-mulher.

Luisa se rebelou, resolveu assumir-se, ser um mulher consciente da sua condição de fêmea. Elevou-se ao próximo nível. O homem que ela desejasse seria amado, teria um pedaço dela, os seus sorrisos, uma parte dos seus sonhos.

Mas Luisa era ela, o nome dela era ela mesma. Luisa era sua dona, consciente, verdadeira. 

Mulheres, Vulgares. Uma noite e nada mais!



Pró-mulher, essa música é pró-mulher. Nossa sociedade comercial deturpa nossos conceitos, isso é ponto assente. Mas existem exercícios, de memória, para que não esqueçamos a definição certa destes mesmos conceitos que o ritmo frenético da "sociedade de informação do séc XXI" deforma por insistência.

Dizem que quem está dentro de uma situação não tem o mesmo poder de análise de quem está fora. Acredito nesta frase. Por isso, mulheres deste século, vamos prestar atenção a mensagem dos homens de verdade. Já que o poder que nasce connosco no meio de nossas pernas nos põe no meio do turbilhão, vamos ouvir quem tem tempo para refletir e analisar melhor a nossa situação.

Que os homens bons nos sirvam como uma bússola de urgência para encontrarmos um esconderijo para nos (re)compormos e compormos o nosso discurso, a nossa (re)estruturação, até as mulheres vulgares passarem a uma espécie em extinção.


Maturação do amor




Como é bom ser amada. Sentir a espera do ser amado chegar, os beijos, os corpos, as almas. É bom ser amado pelo ser que amamos. Frenesi sem fim, pura excitação!

Mas, o amor correspondido pode ser limitador. Temos aquilo que desejamos, e paulatinamente a humildade já não se justifica. Os outros já não importam tanto como antes. Surge o egoísmo?

Quando não correspondido, o amor pode findar. Quando não correspondido, o amor pode amadurecer até perecer. Esse perecer não é morte, ou até pode ser, se morrer significar se transformar.

A transformação é a sua maturação, maturação daquilo que não findou. Quando um amor não correspondido atinge a maturação, é como se ele ultrapassasse a necessidade de ser correspondido.

Eu amo, este amor existe, e por se tratar de amor, a sua existência já basta. Mas, o que é amor? O que pode vir a ser o ato de amar?

Amar... é saber respeitar. Respeitar o amor não correspondido. É querer bem, é saber que aquele amor não correspondido foi a chave que nos levou a libertação, de nós próprios.

Graças a esse amor não correspondido podemos aprender a amar, de verdade. A maturação do amor é intemporal, atemporal, é diária. A maturação do amor liberta, liberta na medida certa.

Erykah Badu




   Não me lembro quando vi o vídeo "Window seat" da Erykah Badu. Lembro do impacto que teve em mim. Foi grande, perturbador. Senti uma certa inveja... me identifiquei. "Não" aos grupos, "Sim" ao direito de nos ausentar, de nos fazer presentes, quando quisermos, quando pudermos.

   Que possamos ter essa felicidade, da compreensão de nos deixarem ir e vir quando pudermos, quando quisermos, sempre que quisermos, sempre que pudermos. Que me amem assim, é o que deveríamos pedir, é o que deveríamos oferecer.

   Que sermos nós não seja difícil, que não seja estranho... Isso vou ensinar ao meu filho, Ondjaki.

sábado, 16 de junho de 2012

A desmistificação




Como nos perdoarmos e nos reinventarmos? Sem dúvida isto alguma vez será necessário, por mais letárgicos que possamos ser. Para alguns será um puro instinto de sobrevivência, para outros, uma evolução pessoal, de maturação.

Não podemos fazer o que nos apetece, é anti civilizacional. Controlar ímpetos e inclinações é o início dessa domesticação do nosso animal interno, porém esta censura só é salutar quando regida por nossa essência, que como dizia Sartre, sucede nossa existência.

Temos formas de nos educar, de sermos responsáveis e conscientes de nós próprios. É no entanto, uma árdua tarefa, diária e implacável. E as virtudes? Tão difíceis de se entender e praticar!

Altruísmo, solidariedade, dignidade, simplicidade e humildade. Tão exaustivas e irreais em muitos momentos. Como tudo seria mais simples se o caos fosse a ordem da vez! A impulsividade realmente nos é algo intrínseco.

Ponderação, auto consciência, responsabilidade e compromisso? Elos de pesado fardo, limitadores e infelicitáveis. Uma prisão contra natura.

Mas, não será exactamente por serem contra natura que nos são tão imperativos? Digo, se nos é algo exterior, ausente de nossa natureza, não serão por isso imprescindíveis ao nosso aprimoramento? Os ingredientes que nos faltam, o que nos completaria?

Alguém disse que isso era tudo uma bobagem, divagações e meras especulações. Afinal, esses filósofos franceses eram todos uns chanfrados e obscenos. Mas vale sermos o que somos, nos aceitarmos e já está, a vida não pára!

E se vivermos muitos anos?! Não será um pouco insuportável vivermos tanto tempo de mal com nós próprios? Quer dizer, viver assim, em negação… nos estapeando antes de dormir com a cabeça na almofada. Sou da opinião de que é um pouco doloroso demais. Com o aumento da expectativa de vida, mais vale começarmos a tentar resolver essas questões, talvez refletir um pouco sobre nós, pensar naquela nossa atitude errada e nos nossos repetidos mesmos erros consecutivos relativos ao mesmíssimo assunto, eles talvez sejam somente uma forma de não esquecermos de analisar de verdade aquela importante questão interior.

E alguém acrescentou… sim, esse tal erro talvez seja um simples pretexto para nos fazer pensar, pensar naquilo que naturalmente não queremos pensar. Não são os naturalismos induzidores ao erro?