quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Almoço de domingo




Fazia um calor dos diabos naquela tarde de domingo. Estavam todos ali, sentados à volta da mesa, reunidos em família, para mais um almoço de confraternização. Irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas, primos e sobrinhos, filhos e pais, mães e avós, crianças.

O marido traído age com naturalidade, puro medo de ser descoberto. Claro que todos já sabem, mas ninguém ousa manchar a honra da irmã querida que cometeu o pequeno deslize mencionado. Enquanto isso, a cunhada desconfiada se mantém apreensiva, ela a pensar numa forma de conseguir o que até o momento não conseguiu, ser aceite. Porem, não sabe ela que pouco importa quantas crianças ela venha a gerar e acrescentar à aquela família, ela será para todo o sempre uma estranha em seu seio.

O tio músico começou a tocar, a cantar e dançar. A ele juntam-se irmãos, sobrinhos e a empregada assanhada que gosta ou acha que precisa de insuflar o ego do patrão para assim conseguir levar parte da comida excedente para sua própria casa, assim também ela poderá financiar aos seus uma reunião parecida com aquela. Por sorte, o patrão tinha ido à pesca e saíram bons peixes, podia conseguir alguns.

Como já foi dito, o tio músico já estava animando o ambiente, nessa altura os amigos da família começaram a chegar e com isso surgiam conversas de todo teor. Por exemplo, quando não haviam mulheres nem filhos por perto, os homens reunidos sentiam-se à vontade para comentar sobre as suas ou as amantes dos amigos e conhecidos. Soltavam também exclamações saudosistas daquela vida boémia tão boa da juventude! De quando conseguiam pular muros para conseguir administrar as namoradas e não serem apanhados. Nestas alturas, as irmãs, amigas, primas, sobrinhas e tias ajudavam os vivaços rapagões a driblar as entusiasmantes situações e no dia seguinte esse era com certeza assunto predilecto de todos até o próximo acontecimento semelhante.

Alguns nunca viriam a conseguir esquecer essas memórias, estando assim presos a um passado que, como quem luta bravamente pela vida, tentavam até as últimas consequências mantê-las vivas. A esposa ainda não tem ideia da tamanha determinação do marido neste sentido. Entretanto, algumas irão combater a situação e encontrar uma saída, contudo, outras, por motivos profundos e obscuros, jamais conseguirão se libertar, afundando na areia movediça… lenta e dolorosamente.

Os filhos são amados, no limite do possível. Existem amantes, egos avassaladores e nestes casos não sobra o suficiente para os filhos, pais, irmãos, sobrinhos, para os outros. Contudo, os filhos estão bem, eles são os primeiros a comer, a rir, a gozar com as outras crianças, a entreter o ambiente! As meninas estão na sala, a brincar com as namoradas dos primos mais velhos, a ver televisão com as sogras e tias emprestadas, a contar umas as outras os últimos acontecimentos das vidas dos outros.

A empregada estilhaça um copo de vinho e a dona da casa zangasse sobremaneira com a maldita desastrada. Um copo de vinho faz muita falta na cristaleira! Ouvem-se alguns xingamentos mal disfarçados, um primo afastado pede calma e chama a patroa da desastrada à razão, o marido da patroa pede discrição à mulher pois eles “têm visitas!”. A pobre coitada da cínica empregada já sabe que terá que se rebaixar um pouco além do por si imaginado para conseguir levar o tão almejado peixe para casa.

A amiga lúcida que de tanta lucidez começou a dar sinais de frustração com aquela gente tão hipócrita e mesquinha, já começava a sentir vontade de dizer as grandes verdades que via mas, sabe-se la porque, mantem-se sentada e a rir-se das anedotas e histórias desenterradas dos bons velhos tempos. Suas verdades podem ser adiadas para a próxima reunião, não vale a pena estragar o momento, além do mais o vinho está muito bom!