quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A puta






Foi uma voz forte, com projecção, que conduziu Maria de Fátima, a puta que acompanhava aquele homem tão distinto, até a uma das melhores mesas daquele recinto.

Iriam passar a noite juntos, ele iria penetrá-la quantas vezes quisesse e da maneira que quisesse. Contudo, a puta havia estipulado o preço para isto, por isso ela não era de quem a quisesse, era somente de quem pudesse pagar o o seu valor.

Maria de Fátima era esbelta, talvez magra demais e sem muitos atrativos físicos que sugerissem que pudesse prender a atenção de um homem como ele, mas curiosamente e contra toda a probabilidade, ele havia se encantado com a dita puta.

A puta era tacanha, digo tacanha na tentativa de mostrar realmente a baixeza da tal mulher. Tinha um cabelo cacheado maltratado, uma pele suja e marcada de sinais e imperfeições, unhas mal cuidadas e dentes amarelados. Simplesmente não se conseguia perceber o quê aquele sujeito vira naquela criatura.

Era visível o ar de insatisfação em receber tal discrepante par naquele singular restaurante de Genebra. Os garçons apresentavam um semblante impávido que só podia significar forte desagrado, caso contrário, seriam risonhos como o eram com o casal da mesa ao lado. Por conseguinte, os demais clientes evitavam o olhar frontal, preferindo observar de "esguelha", como quem observa um criminoso a ser preso pela polícia depois de uma tentativa de assalto a banco.

Contudo e, para grande infortúnio dos demais, que gostariam de censurar Maria de Fátima pelo fim que esta dava ao seu corpo, ela estava muito aquém da capacidade que lhe permitiria captar esta atmosfera hostil. Era uma pessoa com um intelecto muito pouco desenvolvido, que mais se assemelhava ao de um animal, ou melhor, de uma fêmea em altura de acasalamento e que, já agora contextualizando a situação, havia encontrado o macho que lhe parecera mais indicado para "cobrí-la" e saciar suas naturais obrigações de fêmea.

Por outro lado, ele tinha plena consciência da situação. Da censura para com eles, o par discrepante, e da tamanha abstracção de sua acompanhante para com as circunstâncias. Entretanto, a única coisa que permanecia em sua mente era a sua ansiedade para descobrir o sabor do ponto húmido de sua acompanhante.

A ignorante e ignóbil mulher, sendo este o factor atrativo desta fêmea para este homem, o havia fascinado por completo. Não iria se apaixonar, para isso seriam necessários muitos outros atributos que ela jamais seria capaz de desenvolver pois tratava-se de uma criatura rasa, com a profundidade de um pires.

Aquele homem era ali, naquela mesa, naquele restaurante em Genebra, o macho que percebera uma fêmea em época de acasamento e lembrou-se das suas obrigações enquanto tal. Ele tinha esta percepção e não censurava a si próprio, aliás, isto o excitava ainda mais, e além dissso, ela o atraía fisicamente, gostava do formato dos seus seios e da maneira que punha os cotovelos sobre a mesa e lançava-lhe um olhar vazio, sem nenhuma mensagem.

Nisto ela era também intrigante, pois ele nunca antes estivera com uma mulher que não quisesse nada em troca. Havia sempre um pedido de casamento, de sexo, de amor no olhar das mulheres que havia tido.
Maria de Fátima abriu suas pernas e ele pôs dois dedos molhados de saliva em sua vagina. Ela abstraiu-se mais uma vez, dessa vez quase havia partido para outra dimensão, estava longe deste mundo. Ele penetrou-a pela primeira vez, depois uma segunda e terceira vez, penetrou-a quantas vezes quis e da maneira que lhe apeteceu. Ela era a fêmea que necessitava de seu esperma para cumprir sua obrigação natural.

Ele, mais tarde, lembrar-se-ia de que havia usado protecção contra as doenças mundanas, anulando assim o seu contributo para com a natureza. Iria também lembrar-se que, misteriosamente, a ignóbil ignorante criatura havia murmurado uma frase relevante no momento em que ele havia perdido suas forças e se debruçado por completo por cima dela. Aquela frase o irá chocar, ao constatar que se tratava de Vinícius em um de seus memoráveis sonetos.

Haveria afinal alguém dentro daquele corpo que parecia pairar e deambular sem rumo e consciência por este mundo?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O porquê do meu silêncio



Rio de Janeiro, 20 de Dezembro de 1997

Oi Marquinhos!

Eu estou te escrevendo para explicar porquê eu parecia uma múmia quando você chegava perto de mim!!!rsrsrs... Lá vai:

O meu silêncio tinha motivo. Permanecia calada por adorar ouvir atentamente os teus comentários e as tuas risadas, até os teus pensamentos mais disparatados e estapafurdíos!

Não dizia nada porque havia tanta coisa para ser dita que o silêncio parecia a forma mais verdadeira de expressar todas as palavras que me vinham à cabeça.

As perguntas que não soube responder até hoje não têm resposta. Aliás, a resposta nem sequer interessa, só o poder ficar sem palavras alguma vez importou.

Finalmente, explico que eu não falava porque você me tirava o ar e me fazia sonhar.


De: Fabiana
Para: Marquinhos

Obs: já não gosto de você, desculpa ta! Beijooo

Almoço de domingo




Fazia um calor dos diabos naquela tarde de domingo. Estavam todos ali, sentados à volta da mesa, reunidos em família, para mais um almoço de confraternização. Irmãos, irmãs, cunhados e cunhadas, primos e sobrinhos, filhos e pais, mães e avós, crianças.

O marido traído age com naturalidade, puro medo de ser descoberto. Claro que todos já sabem, mas ninguém ousa manchar a honra da irmã querida que cometeu o pequeno deslize mencionado. Enquanto isso, a cunhada desconfiada se mantém apreensiva, ela a pensar numa forma de conseguir o que até o momento não conseguiu, ser aceite. Porem, não sabe ela que pouco importa quantas crianças ela venha a gerar e acrescentar à aquela família, ela será para todo o sempre uma estranha em seu seio.

O tio músico começou a tocar, a cantar e dançar. A ele juntam-se irmãos, sobrinhos e a empregada assanhada que gosta ou acha que precisa de insuflar o ego do patrão para assim conseguir levar parte da comida excedente para sua própria casa, assim também ela poderá financiar aos seus uma reunião parecida com aquela. Por sorte, o patrão tinha ido à pesca e saíram bons peixes, podia conseguir alguns.

Como já foi dito, o tio músico já estava animando o ambiente, nessa altura os amigos da família começaram a chegar e com isso surgiam conversas de todo teor. Por exemplo, quando não haviam mulheres nem filhos por perto, os homens reunidos sentiam-se à vontade para comentar sobre as suas ou as amantes dos amigos e conhecidos. Soltavam também exclamações saudosistas daquela vida boémia tão boa da juventude! De quando conseguiam pular muros para conseguir administrar as namoradas e não serem apanhados. Nestas alturas, as irmãs, amigas, primas, sobrinhas e tias ajudavam os vivaços rapagões a driblar as entusiasmantes situações e no dia seguinte esse era com certeza assunto predilecto de todos até o próximo acontecimento semelhante.

Alguns nunca viriam a conseguir esquecer essas memórias, estando assim presos a um passado que, como quem luta bravamente pela vida, tentavam até as últimas consequências mantê-las vivas. A esposa ainda não tem ideia da tamanha determinação do marido neste sentido. Entretanto, algumas irão combater a situação e encontrar uma saída, contudo, outras, por motivos profundos e obscuros, jamais conseguirão se libertar, afundando na areia movediça… lenta e dolorosamente.

Os filhos são amados, no limite do possível. Existem amantes, egos avassaladores e nestes casos não sobra o suficiente para os filhos, pais, irmãos, sobrinhos, para os outros. Contudo, os filhos estão bem, eles são os primeiros a comer, a rir, a gozar com as outras crianças, a entreter o ambiente! As meninas estão na sala, a brincar com as namoradas dos primos mais velhos, a ver televisão com as sogras e tias emprestadas, a contar umas as outras os últimos acontecimentos das vidas dos outros.

A empregada estilhaça um copo de vinho e a dona da casa zangasse sobremaneira com a maldita desastrada. Um copo de vinho faz muita falta na cristaleira! Ouvem-se alguns xingamentos mal disfarçados, um primo afastado pede calma e chama a patroa da desastrada à razão, o marido da patroa pede discrição à mulher pois eles “têm visitas!”. A pobre coitada da cínica empregada já sabe que terá que se rebaixar um pouco além do por si imaginado para conseguir levar o tão almejado peixe para casa.

A amiga lúcida que de tanta lucidez começou a dar sinais de frustração com aquela gente tão hipócrita e mesquinha, já começava a sentir vontade de dizer as grandes verdades que via mas, sabe-se la porque, mantem-se sentada e a rir-se das anedotas e histórias desenterradas dos bons velhos tempos. Suas verdades podem ser adiadas para a próxima reunião, não vale a pena estragar o momento, além do mais o vinho está muito bom!