terça-feira, 6 de novembro de 2012

A feminista




A música estava perfeita, os corpos quentes transpiravam, viam seu suor evaporar e se condensar nas suas peles agora húmidas. Os suspiros profundos, quase de meditação, davam lugar a espasmos cheios de prazer, um prazer quase sádico.
Até aqui o cenário era perfeito. Havia interesse recíproco, havia sensualidade, a atração era animal, os cheiros agradavam, a voz excitava, o olhar arrepiava e enrijecia. Mas, mas há sempre um ‘mas’.
Somos feministas. Sim, somos feministas. Ser feminista é civilizado, avançado. Ser feminista é ser igual, igual a um homem, aos homens. Não foi isso que aquela senhora disse? Aquela francesa que só usava roupas pretas, aquela EXISTENCIALISTA. Qual era mesmo o nome dela?
Entrou no carro, entrou com a segurança que só a ignorância pode dar. Pensou que ser feminista era fazer o que os homens faziam e nem lembrou de perguntar se era mesmo isso que os homens faziam.
-Era isso que os homens faziam?
Ele respondeu-lhe, depois da ereção:
- Que homens?
Era fácil deixar-se levar, tão confortável e… prazeroso. Todos ao seu redor faziam o mesmo e parecia que todos antes deles também o fizeram, e mesmo depois deles haveriam de fazer o mesmo. O que ela não sabia é que o tempo, o antes, o agora e o depois não existem. Nunca houve antes e nunca haverá um depois. Por isso ele riu-se da ignorância dela e sentiu um pouco de pena.
Lambeu o seu pescoço, mordiscou o seu lábio avermelhado e enfiou-lhe os dedos pela vagina a dentro. Ela gemeu como todas as outras antes dela e ele achou engraçado esse traço comum e mundano partilhado por todas as portadoras de uma vagina que teve o prazer de conhecer.
Depois desta noite gloriosa, passou a gemer todas as semanas com dedos diferentes. Ela, que nunca pensou que tamanho fizesse diferença rapidamente percebeu que essa afirmação é relativa.
 Não percebeu quando as coisas começaram a dar errado. Estava pesada, de mal consigo, sem bons convites de gente decente. Acabou por render-se aos tamanhos que conhecia, os únicos que a conseguiam preencher naquele vazio.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

O maverick



Henrique estava esbaforido, fazia um calor infernal na cidade tropical de Luanda. Estava a caminho da escola, era do período da tarde, saía para o intervalo na hora em que a mangueira proporcionava uma prazerosa sombra a meio da tarde.

Gostava muito dos mussulos. Todas as sextas-feiras à noite sonhava com o momento em que pulava do barco e mergulhava com toda a coragem do mundo naquele mar de piscina de água morna e ondas calmas. Sentia sempre uma grande nostalgia quando, aos domingos, voltava à terra firme, à terra da realidade e do calor.

Era um menino meigo, inseguro e muito humanista. Era também franzino, como se tivesse escapado à desgraça do Biafra ao conseguir se refugiar no útero de sua mãe, desta vez numa terra de diamantes e muito petróleo.

Henrique sabia que existia um conceito hierárquico na sua sala de aula. Uma menina mais velha, três anos mais velha que os demais alunos de sua sala, exorciava seus demónios pessoais subjugando os colegas. Henrique cedo percebeu que a sua sala de aula era uma boa representação da natureza humana: grupos que dominam e grupos de dominados. Também ele fazia parte deste sistema humano, mas o milagre, ou a dávida, de se ser criança atribuía a curiosa característica de rotatividade a este sistema. Podia-se ir ao céu e padecer no inferno facilmente, e vice-versa.

Um belo dia, Henrique, que estava no inferno, passou ao purgatório e foi questionado, pelo diabo, a menina três anos mais velha, se aceitava ir ao paraíso com a condição de ter seu lugar infernal substituído por João, seu kamba dos momentos de verdadeira alegria.

O menino, paralisado fisicamente pelo medo, vociferou o seu não, sentindo ora a angústia de um decreto de pena de morte, ora o prazer inenarrável da liberdade e da coragem de seguir as suas convicções.

Henrique foi apunhalado no coração pelos momentos de verdadeira alegria. João permaneceu no paraíso e o nosso corajoso revolucionário no inferno, mas consciente de que trazia dentro de si uma força sobrenatural e inamovível.