quinta-feira, 29 de março de 2012

O anfitrião



Não era doce, era obstinado e estranhamente insatisfeito. Dizia-se que assim o era por natureza.

Acordava muito cedo e tomava o café fumegante, cumprimentava as pessoas que, no caminho até o estábulo, ia encontrando e uma vez lá, montava Zeus, seu cavalo puro-sangue.

Era um garanhão negro, de olhos orgulhosos e postura arrogante, ele, no entanto, não o era, possuía algo mais refinado, mais dignificante. Ninguém nunca soube, contudo, encontrar palavra para qualificá-lo, talvez ainda não existisse.

Petrópolis em Julho era sempre enevoada e fria. Os cheiros eram densos e prolongados. O verde circundante renovava os pulmões escurecidos e, portanto, a casa servia-se de muitas presenças e "eus".

Eram épocas alegres, semanas majestosamente vividas e partilhadas. Grandes serões e temas, gargalhadas marcantes, charutos e cigarilhas horrendas, mulheres e homens singulares e, ainda assim, elegantemente comuns, e ele, o anfitrião.

Adorava receber os amigos, ouvir seus pareceres sobre as maiores trivialidades da vida ou sobre as grandes questões da humanidade.

Era gentil, apesar de tudo, jamais foi grosseiro ou ríspido e isso admirava a todos. Nunca se soube comprendê-lo, a ele e aos seus motivos.

Penso que nunca se quis, verdadeiramente, entendê-lo, o que se queria era, vorazmente, transmutá-lo, eliminar aquele elemento nele tão vivo e que feria a todos a sua volta.

Ele era radioactivo, infligia pensamentos angustiantes até com o seu silêncio. Sua incomum natureza atingia a todos que se lhe pusessem a frente e por isso foi punido com o ostracismo natural advindo da ignorância e pequenez humana.

Julho era a excepção, era nesta altura que o seu inquietante e violador silêncio assumia sua poderosa voz.

Que te tornes Homem




Que os teus dedos estejam calejados ao tocarem o corpo de uma mulher
Que os teus olhos estejam conscientes do peso das tuas dores
Que, contudo, tenhas sempre um sorriso a despontar imprevisivelmente
Que aprendas o valor de ser correcto, trata-se de uma corrente universal

Que não corrompas o teu espírito e a tua boa-fé
Que domines a tua insegurança e medos profundos
Que sejas o que ainda não és mas o que podes vir a ser
Que superes o teu nariz arrebitado e aristocrático e que o sangue azul que dizes correr em tuas veias, enobreça, por fim, a tua alma e o teu caminho

Que peças perdão e que te arrependas sinceramente
Que quando te arrependeres não esperes que a ordem dos acontecimentos se altere, independe de quereres
Que te apercebas que o silêncio que a tua amada te oferece é um dos seus maiores e mais generosos presentes
Que a cruel sinceridade seja encarada como real empenho em compartilhar

Que o meu útero não seja argumento
Que o teu pragmatismo não seja virtude
Que o nosso tempo se torne intemporal
Que o nosso abraço seja sempre um prelúdio